Descobri o que me faltava - Por Carol Mothé
É muito fácil pra mim falar sobre a Creche Geraldo e Helena Belford (carinhosamente apelidada de Creche de Gisa). Em qualquer conversa, se me der um espaço, eu desato a falar sobre o lugar, as crianças, o posto de saúde, as professoras, os cachorros, a própria Gisa; e falo por quanto tempo me deixarem.
Assim, naturalmente, quando me pediram pra escrever sobre a minha vivência lá, eu aceitei achando que seria a coisa mais fácil do mundo. Eu não poderia estar mais enganada. Desde que me pediram pra escrever esse texto, eu já o fiz e apaguei várias vezes. Não dá pra colocar nas palavras o jeito que eu me sinto quando estou lá, nem dá pra mostrar por aqui o jeito que meu olho brilha quando eu falo sobre isso.
Eu não tinha certeza de por onde começar, de como mostrar pras pessoas o quanto eu sinto, de contar sem parecer aquela história de faço pra mostrar que faço. Enfim, me parece certo começar do início.
Eu sempre gostei muito de crianças, e na escola sempre adorava os dias que nos levavam para visitar creches, mas era sempre o esquema de ir – passar o dia com elas – voltar – e nunca mais ver. Quando eu fiz o Escalada, em 2013, me animei muito com a possibilidade de ter um contato consistente, e visitar a creche praticamente todo mês, saindo da forma de caridade que eu tinha conhecido no colégio (e que eu gostava, mas não satisfazia). Então, me encantei com o Recanto na primeira vez que eu fui, e me esforçava para ir às ações do Projeto Magnificat sempre que eu podia.
Uns anos depois, em 2015, eu estava a um tempo sem ir pra lá quando meus pais me chamaram pra ir com Irmã Violeta.
Chegando lá, enquanto cada um foi resolver o que tinha ido lá fazer, eu fui brincar um pouco com as crianças; meio sem saber o que fazer, por nunca ter ido fora da lógica do pós-escaladinha, mas disposta a tentar.
No fim da manhã, na hora de ir embora, Irmã Violeta me puxou e me pediu que fosse a creche semanalmente, dizendo que as crianças precisavam de mim. Na hora, eu não entendi nada – precisam de mim? O que eu tenho a oferecer pra elas? Mas foi um daqueles momentos em que você sente que algo muito importante está acontecendo então concordei.
Ia toda quarta feira, com minha mãe ou de carona. No começo, só brincava, lia histórias, pegava as crianças no colo quando elas choravam e ajudava a dar a comida; depois fui fazendo umas oficinas sobre as cores, ou sobre os temas que as professoras estavam trabalhando.
Olhando pra trás, hoje, eu tenho convicção que era Deus falando através de Violeta. A experiência de ir, toda semana, até aquele lugar e estar com aquelas crianças, me mudou de mais formas do que eu posso contar.
Uma delas, foi minha mudança de faculdade – eu decidi fazer psicologia, prometendo a Gisa que assim que me formasse eu ia atender no Posto Santa Teresinha.
O problema é que, entrando na faculdade, eu não tinha mais manhãs livres pra continuar indo, então passei um tempo indo só pras ações mensais, ou aproveitando férias e feriados.
Nessa época, entrei no Projeto Magnificat, e passei a participar do planejamento das ações na creche e ir pra outras que eu nunca tinha ido (como visitas ao asilo e doações de sangue).
Estar no projeto e conhecer as pessoas que se empenhavam em fazer acontecer só aumentou a minha certeza de que era isso que faltava na minha vida – fazer pelo outro.
Mas, apesar de amar as experiências novas que eu estava tendo no Projeto, tinha um buraco no meu coração onde antes estavam minhas manhãs de quarta-feira. E como a gente sabe que Deus é maravilhoso, me apareceu uma chance de estar lá de novo, dessa vez justamente por causa da minha escolha de curso.
Em 2017, iniciamos um projeto piloto de oficinas de logoterapia com as crianças do projeto Talitha Kumi (as turmas de 10 a 13 anos de idade, que não são mais consideradas creche), e por ser um projeto de pesquisa, justificava eu reorganizar minhas grades na faculdade pra poder participar. As oficinas foram uma experiência completamente nova (já que nas minhas visitas semanais eu costumava ficar com os pequenos) e um desafio, talvez porque dessa vez eu me sentia em um lugar de maior responsabilidade enquanto parte de um projeto estruturado; e eu passei a ir de ônibus, porque no dia da oficina não tinha carona (eu só coloquei isso no texto pra falar que o ônibus Sagrado Coração de Maria sai da estação Pirajá e passa na porta da creche). Como não podia deixar de ser, eu amei fazer parte do projeto, e me apaixonei mais ainda por aquele lugar e por todas as pessoas que estão lá.
O Recanto da Transfiguração faz parte de quem eu sou hoje. Meu coração não arde em lugar nenhum como arde lá. Eu nunca vi o amor multiplicar, mover, fazer render como faz lá. As coisas que eu vivi e as pessoas que eu conheci são coisas que eu vou levar sempre.
Eu chorei muito, ri muito e amei muito na Creche, entusiasmadamente. Eu conheci Deus de verdade no recanto, e ninguém que eu conheço e já foi lá deixou de sentir a presença de Cristo, deixou de sair com as feições transfiguradas pelo verdadeiro significado do amor – a Caridade.
Foi muito difícil escrever isso e eu ainda não estou satisfeita com o resultado, mas se convencer uma só pessoa a vir conhecer o que eu estou dizendo, valeu a pena.
E sigo buscando mais uma razão que justifique minhas faltas na faculdade para continuar indo, toda semana.
Descobri que amo, tanto, eu não sei mais parar.
Carol Mothé 72ª Escalada em Salvador - Sal da Terra.